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» Leitor novo? Recomendo iniciar pela 1ª temporada, capítulo (001).

(031 e 3/3)

Geralmente sou cuidadoso e até neurótico com essas coisas, morro de fobia de ter de sustentar um filho incalculado em razão de um minuto de julgamento equivocado numa noite isolada. Aquela coisa da Aids também me azucrina, embora eu nunca tenha assistido nenhum caso concreto e terminal, fora o Tom Hanks naquele filme Filadélfia e as gentes famosas que ganham uma nota no obituário dos jornais. E antes que algum ativista da saúde esteja me reprimindo – e deveria mesmo estar – eu não tenho um argumento plausível que me salve da guilhotina. Em harmonia não-admitida e urgente, Juliete e eu transamos e esquecemos – negligenciamos, esta é a verdade – a camisinha. Jamais façam isso, crianças, se não quiserem ter sérios contratempos com o futuro.

– Você acha que eu vou para o inferno? – ela me pergunta, deitada com o queixo no meu peito nu.
– Por quê? Por transar com um cara que você realmente gosta? E mesmo se não gostasse, por ir pra cama com outro qualquer tendo um namorado boçal em casa?

Juliete inquieta-se, e após fazer uma careta indecifrável, se desvencilha e cai no colchão, o mais afastada de mim que consegue.

– O que foi?
– Você não precisava me lembrar disso – diz, emburrada.
– Como se você pudesse esquecer daquele pré-histórico que bate em você. Eu fui agraciado com apenas um soco e vou levar isso para o resto da vida... – ela senta-se com as costas nuas para mim e bufa.
– Ele nunca me bateu de verdade – confessa Juliete, sem me dirigir o olhar.
– Como assim?
– São só algumas ameaças, gritos e uns empurrões! Estamos numa fase difícil.
– Você mentiu pra mim? Bom, nesse caso você vai para o inferno sim! – digo, meio indignado, mas não muito. É um alívio, de certa forma.
– Não foi bem assim. Você concluiu as coisas sozinho, eu nunca disse isso, jamais contei nada a você. Eu não menti. Só não... desmenti.
– Mais alguma coisa que eu deveria saber?
– Tipo, se eu sou rica mesmo? Quando o helicóptero vir me buscar, você tira suas conclusões.
– Não estou nem aí pra porra do seu dinheiro! – digo, mas não sei se ela ouviu essa parte de desapego mundano do meu discurso, porque se enfiou no banheiro, após ir caminhando nua até lá.

Sinto uma saudade ridícula, enquanto ela está ausente. Ridícula porque ela não foi a lugar nenhum, não se mudou para Trinidad e Tobago nem nada, apenas deixou as marcas quentes do seu corpo pequeno no meu lençol e está logo ali, no meu banheiro nauseabundo, atualizando suas necessidades fisiológicas, ou usando um papel higiêncio para estancar a porra escorrendo pelas coxas, ou passando fio dental nos dentes, ou dançando algo da Nina Simone diante do espelhinho que comprei num mercado de pulgas. Sei lá, fazendo uma das zilhares coisas que mulheres fazem no banheiro.

Posso ouvir que Juliete puxou a descarga, e uns minutos depois, ela apaga a luz, fecha a porta e salta na cama, como uma garotinha sapeca e levada. E volta para a posição original, com o queixo no meu peito. Dou um sorriso contido, e com a mão tento ajeitar a franja atrás da sua delicada orelhinha, mas as mechas escapam e ficam decorando seus olhos embebidos em afeto pregados em mim, na nossa espécie de bolha onde respiramos uma felicidade clandestina.

– Ficou brabo?
– Não. – (Pausa.) – Quer dizer, fiquei um pouco, até. Mas não vou estragar nossa última noite juntos – eu digo, fazendo certa questão de foder com o clima.
– Eu não sei se posso cumprir a promessa – diz ela. – Às vezes, sei lá, me dá uma coisa, e eu preciso te ver. Sou uma péssima pagadora de promessas.
– Aí, quando não me quer mais, você evapora e se tranforma em só mais uma nuvem flutuando no meu céu grisalho.
– Bonito.
– O quê? Eu? – pergunto. E ela ri de mim.
– Não. Isso que você disse. Você é bonito também – ela diz, calmamente. – Mas estava falando do verso.
– Obrigado. Você está na cama com um escritor, esqueceu?
– Não. É exatamente por isso que estou aqui, sempre quis dormir com um escritor.
– É, depois que os escritores começaram a fazer sexo, o Pulitzer não tem mais pra quem entregar os prêmios.
– O que você quer dizer? – Juliete pergunta.
– Nada. Que historicamente os humoristas transam mais que os poetas, talvez.
– Faz sentido – ela diz.
– Mas, e aí? Como foi realizar essa fantasia?
– É... já tive melhores – diz Juliete e aí ganha umas cócegas torturantes nos quadris e na barriga.

Com o afago e a pequena luta de braços, acabamos mudando de posição. Ela está com a cabeça no travesseiro, e eu perto de seus peitos suficientes e jeitosos, brincando como se cada mamilo fosse um dimer de ajuste de luz. Ela manda eu parar com a festinha justificando que estão doloridos, e eu dou uma chupadinha no biquinho direito, o que eu mais gostei, embora me pareçam iguais desse ângulo, e misteriosamente construídos em harmonia, como aquelas pedras empilhadas do Stonehenge. Mordiscando o lábio inferior úmido, Juliete acompanhava minha carícia com o olhar:

– O outro está com ciúme...
– Hein? – pergunto.
– Meu outro peitinho. Também quer uma lambida.

Inclino meu corpo por cima dela, alcançando o seio carente, e coloco a extremidade da minha língua no serviço, e minha Baby Julie segue acompanhando. E por aí a coisa vai, noite adentro, são 00:28. E como a posição do meu tórax sobre as ancas dela convém, tomamos vantagem da situação e fazemos amor mais uma vez; mas embora eu seja obrigado a usar esse eufemismo, estamos na verdade fazendo sexo. No calor do entrosamento, a gente acaba interagindo de uma forma mais suja, acrobática e temperamental. Após iniciar pelo encaixe básico de corpos – aquele sugerido pelos sacerdotes para fins de procriação –, nos adaptamos a outras posições que tínhamos em mente, curtimos a paisagem um tempo e, quando vimos, era a vez de Juliete escolher uma acomodação de troncos e pernas que ela antecipadamente já sabe que pode fazê-la gozar, e ela goza; eu depois peço gentilmente que a garota faça o que eu estou mandando e eu acabo gozando também, e ótimo, todo mundo chegou lá, e agora o visor digital do meu telefone cronometra 01:43 de um novo dia. Que loucura!

***
Em Porto Alegre, 02:20 horas.

– Entenda, não é que eu queira... – e não quero mesmo. – mas você não está preocupada em voltar pra casa? – pergunto à Juliete.
– Não. Minha primeira aula é só lá pelas dez – ela responde.
– Sim, mas não existe ninguém procurando por você?
– Olha, talvez a nossa empregada. Meu pai deve achar que estou enfurnada no quarto. Meu irmão provavelmente está caído em algum beco ou no lixão municipal, à espera da morte ou de mais um teco de cocaína.
– E o namorado...
– Ah, esse aí... – ela produz um esgar de descrença. – Bem, ele é quem deve estar se escondendo de mim.
– Será que ele sabe de alguma coisa?
– Não se preocupe. Ele não vai mais encostar um dedo em você.
– Nossa, obrigado – digo, com uma ironia teatral que sugere ausência de medo, mas que, na verdade, até estou feliz com o refrigério firme dela. Eu bem queria ter esses colhões.
– É sério, Santi – (ela me chama de “Santi” pela primeira vez.) – Não sou tão pusilânime assim. Além do mais, os homens nunca sabem de nada. Sobretudo os que mais se acham espertos.
– É, pode ser – digo. – Sei que você não curte o assunto, mas qual é o lance de vocês, afinal?
– Ah. Aquela coisa, nada de mais – ela diz e pausa. E segue: – Eu tinha dezessete quando a gente se conheceu, ele fazia estágio com meu pai. Como todo garoto ambicioso, ele se aproximou de mim. Eu era confusa, carente e virgem, e ele era um pouco mais velho, além de bonito e confiante. Aí, blá-blá-blá, começamos a namorar, faz seis anos, e hoje ele é o braço direito e o esquerdo do meu pai lá na loja, e sócio dele também, numa outra empresa menor. Enfim, os dois se amam e se precisam e se merecem – diz Juliete.
– Hum – não sei muito o que dizer, então solto esse grunhido, enquanto ela faz uma espécie de retrospectiva.
– Bem, aí quem se ferrou nessa fui eu. Meu pai quer que eu me case e assuma a empresa junto com o Maurício, vive dizendo que “o rapaz tem tino para o negócio!” e patati patatá. Maurício é o “filho-homem que ele não teve”, já que o legítimo se perdeu totalmente depois que a mãe morreu. Talvez o Rodrigo não seja esse fracassado que o pai diz, quem sabe ele chega à chefia de alguma boca de fumo da cidade, no máximo.

Juliete sai com essa piada mórbida e triste sobre o irmão drogado, e ela quase ri, mas acha melhor não. Então sente uma breve repulsa de si mesma, parece perder um pouco a pose, e precisa olhar fixamente para a parede, concentrando-se para não chorar. (Devo abraçar? Não devo abraçar? Se o fizer, será que ela não vai desandar as lágrimas? Será que é isso mesmo que ela quer?). Após o sucinto intervalo, ela reúne forças e continua:

– Sabe, eles planejaram toda a minha vida por mim, em alguma reunião daquela sala, no último andar – diz ela e depois arma o maxilar e engrossa a voz: – “Juliete, querida, você tem de fazer psicologia ou alguma coisa que lhe dê instrução para cuidar do lado humano da empresa enquanto a gente enche nossos cus de zeros à direita, ok? Assim que formada, você e Maurício se casam e começam a pensar nos meus netos!” – ela termina a interpretação. – Sabe, estou farta dos outros me mandando como devo tocar a vida, tudo que eu devo fazer, até onde posso ir, quando tenho de voltar, as coisas que eu preciso realizar, o papel que eu tenho de cumprir. Eu me sinto a personagem principal de algum, sei lá, de um romance de autoajuda, onde a heroína é instruída pela narrador o tempo todo. Respire corretamente! Controle suas emoções! Ande em linha reta! Não desista de seus sonhos! Porra, eu nem tenho ideia de quais são meus sonhos, nunca ninguém me deixou pensar nisso! De que adianta fugir dos próprios erros, nós não somos caracterizados por eles, afinal? Se somos nossos erros, nossas escolhas, nossas dúvidas, nossos sonhos, honestamente, eu não sei quem eu sou. Você entende?
– Acho que sim – digo a ela.
– Estou tão cansada. Eu não sei o que fazer. Quando você tem estabilidade e planos e horizontes, você sofre com a ausência de medo. Medo da vida. Eu não tenho um medo. E sem ele, eu não consigo fugir de nada, e é fugindo que as pessoas acabam parando em algum lugar, algum lugar que elas nunca imaginaram que pisariam a princípio. Eu preciso de um medo. Preciso cometer um grande erro.
– Talvez eu seja isso, então – interrompo. – Seu erro, seu medo, sua viagem. Quando a Juliete cogitaria estar nua dentro de um quitinete numa hora dessas, com um vagabundo quase desconhecido? – pergunto, retoricamente.
– Não diga isso.
– Mas é a verdade, não é?
– Ei, eu que sou a psicóloga aqui. Tá legal, tá legal, estou estudando ainda, mas mesmo assim... – diz Juliete. – Você não é um erro. Não, de maneira nenhuma.

Tenho uma pergunta a fazer, mas fico quieto, não sei muito o que falar. Só estou pensando... bom, só estou pensando que porra eu sou, afinal? Digo, para ela. Um amante? Um gigolô? Uma montanha-russa de parque de diversões? Um confidente? Uma espécie de amigo para o qual ela fica de quatro e pelada, de vez em quando? Tipo uma dessas aulas de equitação terapêutica, só que mais erótica e sem o cavalo? O quê, então? Você ama o tal do Maurício? Você me ama? Você ama a si mesma? Você ama algum semelhante? Existe amor, lá de onde raios você veio? Não sei nada disso, não tenho a mais pura e ínfima ideia. E não vou perguntar, enquanto não tiver a certeza de que quero saber a resposta, se é que Juliete tem alguma resposta lógica e congruente para me fornecer.

Eu tento provocá-la mais uma vez, esfregando meu tronco na sua dorsal de bruços, e depois desço um pouco até os pés, enfiando um dedão de esmaltes cardinalatos na boca, e depois a cara entre as pernas dela, lambendo a polpa de sua bunda fascinante e o interno das coxas. Juliete até dá um e outro suspiro de prazer, mas meio que resiste. Então a pequena se vira olho-no-olho e deixa meus cachos entrançarem pelos dedos de suas mãos, pedindo para que eu pare, esse papo todo a deixou mexida demais para trepar, mas eu continuo mesmo assim. Só que Juliete demonstra o entusiasmo e a pró-atividade de um funcionário público, e isso não me ajuda muito, mas mesmo assim a gente faz, ou eu faço sozinho, com a condescendência dela.

São 03:47 da madrugada e três penetrações na mesma noite; se fosse um placar de futebol envolvendo, sei lá, Brasil e Itália, já poderia ser considerado goleada.