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» Leitor novo? Recomendo iniciar pela 1ª temporada, capítulo (001).

(027 e 2/3)

Não sei o que houve depois porque fui embora após o último pedaço da minha pizza. Me pus de pé como um vento súbito, paguei minha conta, dei um tapinha no ombro de Roger e saí do lugar cansado de Juliete. Quando ela não estava carrancuda, estava de nariz empinado, ou se queixando de mim, ou do fedor da cebola que vinha do meu prato. Como eu posso achar que estou apaixonado por uma garota tão esnobe e cretina?

– Espera – ela berra da porta do Eddie’s, quando já estou quase na esquina, com minhas mãos nos bolsos. – Eu te dou uma carona.
– Não preciso – falo, após me virar e olhar pela última vez na cara dela.
– Mas eu quero. Já é tarde, é perigoso na rua a essa hora.
– Mas eu não quero. E é muito mais perigoso dentro do seu carro seguro, posso apostar.
– Você quem sabe – ela diz, com as escleras dos olhos úmidas, refletindo a luz do poste.
– Até mais.

Sigo meu caminho, são, salvo e sozinho, como sempre. Pego uma pequena ruela ladeira abaixo, cheia de hoteizinhos baratos e estacionamentos, na direção da minha casa. No meu relógio já é uma da manhã, não há mais ônibus e mesmo se transitasse algum agora na minha frente eu não acenaria para ele, pois andam caros pra burro. E, pra ser honesto, três dinheiros vão me fazer falta, já dá um cafezinho e um pão de queijo minimalista lá no Sta. Gemma Café. Continuo de passo acelerado na minha jornada, e tentando não pensar na porcaria da Juliete.

***
Dobrando a última esquina e chegando lá, reconheço a porra do carro dela na frente do meu prédio. Santo Deus, o que eu tenho que fazer pra essa maluca me deixar em paz?

– Você está doida? Não sabe que é perigoso ficar dentro de um carro uma hora dessas, numa rua retirada como essa?
– Não estou nem aí – diz Juliete. – Impressão minha ou você está preocupado comigo?
– Vá pra casa, Juliete.
– Estou sem vontade.
– Vá se foder então! Qualquer coisa que você possa fazer longe da minha rua.
– Mas é aqui mesmo que eu quero estar.

Encolho os ombros e fico quieto, e ela entende que estou desistindo de mandá-la embora, porque eu gosto dela e quero que ela suba e fique comigo, e não é nada disso, juro. Apenas estou esbaforido da pernada até aqui. Então eu resolvo o teorema apenas enfiando a chave na porta e segurando a passagem com um calcanhar e as costas, aguardando fixamente a expressão no seu rosto decidir o que vai fazer – ir pra casa ou subir. Juliete aciona o alarme do seu automóvel de filhinha-do-papai-que-estuda-psicologia-na-federal e aí confere os dois lados da calçada, se alguém pode vir a testemunhar no futuro ela entrando outra vez na minha espelunca. Mas a rua está sombria e despovoada, como se o rádio tivesse alertado a população de que um furacão chacoalharia tudo aqui onde moro.

Por cinco minutos eu consigo fingir que ela não está aqui. Vou ao banheiro e escovo meus dentes, coloco meu calção de dormir que estava pendurado no cabide atrás da porta, vou até a cozinha e bebo um copo d’água, pra lá e prá cá, e ela está sentada na minha cama bagunçada, sem dizer nada, só acompanhando minha desconsideração, com aquelas íris debochadas que, no mundo todo, só Juliete tem.

Dezessete minutos de total silêncio depois, apago as luzes e me deito e puxo meu edredom, tudo dentro da minha rotina, como se não existisse nada de errado. Juliete tira uma das sandálias, o dedo indicador perfurando entre a pele delicada do calcanhar e a alça rígida de couro legítimo, e aí repete a operação no pezinho esquerdo, como se tivesse chegado em casa recém. Ela se aconchega no meu peito, na maior e sem grandes explicações, e eu fico fazendo rolinhos com a franja dela, sem nenhum dos dois dizer absolutamente nada, sem que isso pareça estranho ou constrangedor, o que é bem estranho e constrangedor, se você parar pra pensar. Até que pegamos no sono.

continua...