Bem. Aí, depois de ouvir sêmen borbulhando no meu cérebro, passei a gastar meu acúmulo de ereções correndo duas horas, ao invés dos habituais sessenta minutos – doze quilômetros, mais ou menos – na beira ondeante e espumosa do Guaíba, da Usina do Gasômetro até o museu, e vice-versa. Correr é mais fácil do que fazer sexo. Bom, para mim, ao menos. Para todo mundo, eu acredito (exceto, talvez, para o Ashton Kutcher, que deve ter um cronograma sexual abundante e possivelmente anda enjoado de fazer esse troço o tempo todo). Como não sou nenhum Ashton Kutcher, aparentemente, há toda uma burocracia que eu preciso dar conta antes de tirar a roupa de alguém e realizar os desejos que tenho em mente.
Sabe, a lei da compensação não foi exatamente homologada a meu favor, no entanto, após se desentender comigo, parece que o universo está meio a fim de fazer as pazes e me mimar como um pai ausente. Só que eu ando desconfiado e birrento e irredutível.
Suado e estafado, subo no último fôlego dos dois lances de escada que dão na minha porta e chegando lá, adivinhem, dou de cara com Juliete mais uma vez. Isso está ficando chato e repetitivo, sinto que não há mais novidades na nossa relação, acho que a gente precisa de uma oficina para apimentar a intimidade de casais fantasmas – como aspirante à psicóloga, a garota deve saber de alguma coisa na área. Talvez seja importante que o namorado dela participe também, assim todo mundo fica devidamente informado sobre que porra está acontecendo aqui, afinal.
O que foi agora? Alguém mandou você à merda? Algum tio pela hora da morte? Seus intestinos não andam se comportando bem? Ela está sentada no chão, dispersa, mastigando jujubas multicoloridas, mais pasma que o normal, com as pernas atravancando a passagem dos moradores. Para variar, ostenta uma beleza delicadamente fenomenal, de modo que sua graça me agarra pelo pescoço e com um joelhaço afunda meu coração. Está ali, decaída, entregue, fechada, como um pacote lacrado da Fedex. Quem encomendou essa garota? Eu que não fui.
Eu pulo por sobre suas pernas estiradas, ignorando-a totalmente, ou quase isso. Enfio a chave, abro a porta com mágoa e aspereza, e quando vou girar os calcanhares a fim de bater a porta cheio de rancor e escabrosidade, olho para baixo e ela está engatinhando para dentro da minha vida, começando pelo meu quarto-cozinha-banheiro. Sim, se arrastando, sem metáforas, como o Kurt Cobain entupido de heroína naquele show no Morumbi, nos anos noventa. Coisa mais perturbadora de se ver. Só que Juliete não é nenhuma rockstar e não injeta nada no pescoço, eu acho. Até onde sei, ela é apenas uma garota, meio louca e dramática como toda representante do gênero.
Já dentro, ela vagarosamente se põe de pé, espana os joelhos e encosta a porta. Não digo nada. Me poupo de mirá-la, uma mão na cintura e a outra futucando o nariz, me escondendo, como se um olhar meu – ou qualquer excerto da minha atenção – valesse um diamante, e que Juliete estivesse tentando me comprar com cacos de vidro. Eu fico posicionado de perfil, assistindo nada acontecer no resto do quarto todo, e ela só me olha silenciosa, fixa e piedosamente, com aqueles olhos de cereja. Se ela resolver me abraçar, pode ser que eu chore feito menino.
Juliete chega mais e posso ouvir, em algum lugar dentro da minha cabeça, uma versão gritante e desesperada de “Don't Let Me Down”. Minhas narinas conseguem sentir o cheiro além do seu perfume elegante, por baixo da roupa. Meu olfato pobre não entende muito dessas coisas, mas talvez seja uma fragrância refrescante do Sr. Dior ou do Sra. Carolina Herrera. Ou então, o aroma que está agora encantando meu septo nasal é algo do Sr. Freud, quero dizer, Juliete está exalando culpa pelos pulsos, nuca e atrás das orelhas.
Sem muito alarde ou barulho, a garota maluca caminha até a janela e bloqueia visão, luz e som dos apartamentos frontais, cerrando metódica e lentamente as minhas cortinas.
continua...