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» Leitor novo? Recomendo iniciar pela 1ª temporada, capítulo (001).

(006)

Outra tarde ela entrou aqui como quem só queria estudar e comer um brioche de azeitonas com salada de frutas. Permaneceu longe do balcão o tempo todo, debruçada em alguma lenga-lenga que o Freud escreveu ou qualquer coisa assim. Na saída me dirigiu um sorriso polido e saiu apressada e cheia de compromissos, como se eu fosse, sei lá, um mero desconhecido que nunca perde a chance de insinuar querê-la pelada na minha cama – coisa que não é de todo mentira, então o que eu queria?

– Você ainda tem aquela torta de amoras?

Quem diz é uma voz às minhas costas, enquanto tento desentupir o moedor de grãos. Meio que conheço essa voz, parece de alguém cuja voz eu adoraria ouvir, só que minha adivinhação não vai além. Quando me viro, meu peito queima, é ela, Juliete, e está mais bonita que nas minhas recordações de entardecer. Como é formosa, a diaba.

– Olá... Juliete, não é? – eu pergunto, e dá pra ver que só estou sendo pentelho e dissimulado.

Peço a uma das funcionárias que a sirva e me refugio no quartinho dos fundos, como se hoje fosse só mais um dia normal e eu não tivesse esperado séculos para vê-la outra vez.

Sei que estou agindo feito um idiota, mas o ensinamento que tirei da última ignorada é que o que ela quer é guerra. E o que eu quero, não tem nada a ver com isso, aliás, o que eu quero com garotas, não precisa vir necessariamente dessa universitária mimada e besta.

Eu fico lá, de braços cruzados, feito um cão acuado, obstinado em ficar entocado e olhando para as paredes, e aspirando o cheiro de mofo das infiltrações que elas têm. Aí vou ao banheiro e volto. Folheio um pouco as notícias do dia e vou ao banheiro. Lavo as mãos demoradamente, trabalho com alimentos, sabe como é. Me analiso no espelho, reviso meus dentes e volto. Me deito no sofá. Me sento. Me levanto. Me sento. Me deito no sofá. Faço as palavras-cruzadas do jornal fumando um cigarro e vou ao banheiro. Leio meia página de Grandes Esperanças e vou até o banheiro. Tudo isso por uns quarenta minutos.

Quando finalmente saio, há algo remotamente parecido com um bilhete destinado a mim, mas que na verdade é um informativo bancário improvisado como bilhete, com algumas palavras rabiscadas no verso, e um número de telefone que seria muito útil se eu não fosse do tipo de cara que nunca liga.
Santiago,
Quando você me lança aqueles olhares profundos, posso ver lá na íris que você é um ser humano decente e vai ver é por isso que, estranhamente, gosto de ficar perto de você. Me faz bem, sei lá. Mas odeio quando rapazes legais se esforçam para serem idiotas. Você tem medo de quê?
Deu a louca em Juliete. O quê, somos coleguinhas de sétima série agora? Ou isso por acaso é uma cartinha de amor ou troço assim? Voltamos a 1992, é isso? Medo, eu? Essa é boa. E o que tem a ver esse telefone, ou seja, o que ela espera que eu faça com essa sequência de dígitos? Que eu peça desculpas pela grosseria de tratá-la como um freguês habitual? Que eu mande felicitações nos feriados? Que eu ligue para saber como vão as coisas no último andar do castelo? Se o namorado-babaca arrumou novos verbetes para insultá-la?

Não tenho tempo pra isso. Estou sentindo em mim um raro momento de maturidade e pretendo segurar essa sensação mais horas e dias e semanas possíveis. Não é como se nós dois estivéssemos tomados por uma paixão impossível de controlar. Quando o núcleo de estatísticas nacional diz que há muito mais mulheres do que homens, o que isso quer dizer? Que você seria um tolo se ficasse rodeando a mesma fêmea por tantos dias. E não é isso que eu pretendo fazer, tudo tem limite e eu já cruzei o meu há milênios, tanto que não consigo ver a demarcação ao olhar pra trás.

Acendo mais um cigarro e digo às funcionárias que me deixem em paz.